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Isto não são só coisas boas, calma. Há avanços e recuos, há momentos em que não conseguimos resistir. Portanto, não quero dar-vos a ideia de ilusão, nem que esta batalha, permanente e diária, é fácil. Não é. Também não é o bicho de sete cabeças que muitos, por medo e desconhecimento, pensam, mas não é fácil.
Este blogue, que se chama Tipo 2, tem um subtítulo: "Motivações, desafios e frustrações de um diabético em busca de melhor qualidade de vida". E, portanto, não vale a pena esconder-vos as frustrações. Tenho por aqui, ao longo dos últimos meses, partilhado convosco as motivações e os desafios. E, de quando em vez, algumas frustrações. Como aquela em Tavira, em agosto, quando não resisti a um rissol. Não teve problema nenhum, mas foi o simbolismo do primeiro rissol comido depois da minha mudança de estilo de vida. Quem já me lia nessa altura sabe como isso me marcou. Fiquei ali a matutar na coisa durante um tempo.
Pois bem, este fim de semana portei-me mal. Repito: portei-me mal. Agora em letra grande: PORTEI-ME MAL. Foi um conjunto de disparates. Não há outra forma de dizer. A coisa até começou bem no sábado, com 11 quilómetros de caminhada aqui em Lisboa, junto ao rio. Mas depois o resto do fim-de-semana foi para esquecer. Um amigo de infância fez 40 anos e, com aquela treta de "só se fazem 40 anos uma vez na vida...", convidou os amigos para um fim de semana numa herdade ao pé de Beja. Eramos, entre adultos e crianças, 40 e tal alminhas num monte fechado para nós. A coisa tinha tudo: sol, calor, piscina (imaginem toda a gente ali metida...), prova de vinhos (na Herdade do Vau produz-se o vinho Riso, de muito boa qualidade), acompanhada de queijos, enchidos, salgados e outras coisas do Diabo, jantar e dormida e pequeno almoço de domingo. Só faltou a pulseirinha, mas estava tudo incluído. Foi um grande espectáculo, mas, aqui para nós, não foi um espectáculo digno de se ver aqui para o meu lado. Já de regresso a Lisboa, fora do programa, decidimos almoçar em Serpa, no Molhó Bico. O excelente ensopado de borrego e o Pudim de Requeijão com Leite Condensado não foram o meu melhor momento. Mas estava deliciosos, ao menos isso.
Consequências? Bem, no sábado à noite, antes de me deitar, a glicose estava mais alta do que o normal (claro!), mas longe de níveis alarmantes: 162. Mas no jejum de domingo já tinha descido para 114. E ontem à noite, já depois de ter jantado um hamburguer de salmão e uma bela salada de tomate, já estava nos 99. Portanto, do ponto de vista da glicemia, a coisa voltou ao sítio. Não me pesei, mas sei que devo ter recuperado um quilinho com os anos do Nuno. Paciência, é a vida!
Hoje, o meu sobrinho mais novo, Martim, completa 5 anos. Ai, vou ter de resistir tanto. Ai vou, vou...
1 - "És diabético? Coitado pá, isso é uma seca para a vida inteira"
Sim, nós sabemos que é para a vida inteira mas não vale a pena dizer com esse ar. Além disso, a Diabetes, sendo uma doença crónica e, portanto, motivo de vigilância constante, pode e deve ser um excelente pretexto para uma reeducação alimentar e de estilo de vida.
2 - "Isto não podes comer, pois não?"
Posso, posso. Antigamente, havia uma visão muito restritiva do regime alimentar que um diabético devia seguir. Hoje, de acordo com todos os médicos, estudos e livros da especialidade, o diabético pode comer de tudo, desde que com moderação. E que tenha noção que as opções que toma em determinado momento têm de ser compensadas nas refeições seguintes. A minha mãe, diabética, e que me tem ajudado muitíssimo neste processo, diz uma coisa com piada: "Eu posso comer. Mas não devo". É isto.
3 - "Olha, estou a combinar um jantar com amigos cá em casa. Queres vir? Queres que te faça uma canja sem sal?"
Uma canja sem sal? Mas estou no hospital e ninguém me disse nada? Se fizeres canja para todos, podes fazer que eu gosto muito.
4 - "Tens de te picar todos os dias? Que seca!"
Há quem se pique todos os dias e goste. Diz que dá uma grande pedra. Mas não, nunca foi a minha cena. Sim, um diabético tem de se "picar" todos os dias. É a menor das complicações. A medição de glicemia deve ser diária (duas a três vezes ao dia). Sobretudo no início, é preciso perceber que tipo de impacto têm alterações e comportamentos na quantidade de açúcar no sangue. Por exemplo: antes e depois de exercício físico. A autovigilância é fundamental. E não vale a pena enfiar a cabeça na areia.
5 - "E que tal irmos comer um gelado? Ai, desculpa, tu não podes"
E se fosses à merda? O diabético aqui sou eu, não és tu. Se te apetece um gelado, vamos lá comer o gelado. Eu posso não comer. Ou posso comer, se me apetecer. Mas essa decisão é minha, não tua. Este arrependimento, esta espécie de sentimento de culpa que os amigos sentem depois de dizerem coisas banais, não faz sentido. Um diabético é um tipo normal, que apenas tem de ter mais cuidado com a sua alimentação. O mundo não gira à sua volta. É verdade que namorados(as), parceiros(as), amigos(as) e familiares são importantes no apoio que devem dar ao diabético, mas não o tratem com pena. Ele não merece. Mas sobretudo, não precisa.
6 - "Ai, eu não teria essa coragem!"
Não terias? Mas achas que sou algum herói porque estou a tentar mudar a minha vida e os meus hábitos alimentares e estilo de vida? Aqui não é uma questão de coragem. Ou é ou não é. Ou mudas ou morres. De repente ou, muito pior, lentamente, degradando a tua qualidade de vida e a dos que amas.
7 - "Porra, só vais comer isso? Não vais aguentar!"
Eh pá, obrigadinho pela motivação. O registo não é esse, ok? O registo é: "boa, assim é que é. Estou aqui para te ajudar, para te motivar. Continua, já se nota a evolução. Vais sentir-te muito melhor".
8 - "Olha, dei aqui uma volta à cozinha e arrumei as minhas coisas num armário. Aquele armário fica só para as tuas coisas"
Nunca gostei nada da cena "férias conjugais": aquela história moderna de casais que tiram uma semana de férias um do outro. Para descansar um do outro. Respeito, mas não entendo. "Cozinhas conjugais" também é uma cena que não me assiste. Entendo o objetivo e acho-o fofinho: "eu só quero que não caias em tentação, por isso escondi as Oreo". Pois, mas eu tenho de aprender a conviver com as Oreo todos os dias. Tenho de olhar para elas e saber que não devo comer. Não é escondendo, proibindo. O que tem de mudar é a cabeça do diabético, não é a vida das outras pessoas.
9 - "Quero lá saber se isto é um excesso de comida.
Ao menos se morrer, vou de barriguinha cheia"
É um disparate dizer isto. Não é um disparate dizer isto a um diabético, é um disparate dizer isto. Ponto. A um diabético recente, que está a fazer um esforço para mudar os seus hábitos de vida, é ainda mais. A vida são as nossas escolhas. Sei que isto parece uma frase do Gustavo Santos, mas é mesmo verdade. Ter noção dos nossos excessos e saber corrigir não é um ato de coragem, é um ato de inteligência. Falo de barriguinha cheia (literalmente). Passei anos a cometer excessos alimentares.
10 - "Agora só falas de disso. Tornaste-te um fundamentalista, uma seca!"
É um risco, de facto. Tenho absoluta noção que nas últmas semanas falo muito disto com as pessoas que me estão mais próximas. É uma forma de me motivar, de promover resultados, de estimular incentivos. E já agora, sem querer ser um exemplo para ninguém (não sou, recuso essa ideia), alertar outras pessoas na mesma situação ou em pré-diabetes. Não quero tornar-me um radical, um fundamentalista. Há quatro anos deixei de fumar e quem convive comigo sabe que não tornei um fundamentalista da luta antitabágica. As pessas podem fumar no meu carro e em minha casa. Tenho lá cinzeiros à vista e tudo. E até tabaco, para os mais esquecidos. O que não quer dizer que não alerte de vez em quando amigos meus para o número de cigarros que estão a fumar. Com isto é a mesma coisa. Agora estou entusiasmadíssimo e isso nota-se na conversa. Não quero (e não vou) perder esse entusiasmo, mas espero que, em breve, se possa notar apenas na saúde, nas análises, na perda de peso e na roupa. Não quero ser um chato insuportável.
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