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1 - "És diabético? Coitado pá, isso é uma seca para a vida inteira"
Sim, nós sabemos que é para a vida inteira mas não vale a pena dizer com esse ar. Além disso, a Diabetes, sendo uma doença crónica e, portanto, motivo de vigilância constante, pode e deve ser um excelente pretexto para uma reeducação alimentar e de estilo de vida.
2 - "Isto não podes comer, pois não?"
Posso, posso. Antigamente, havia uma visão muito restritiva do regime alimentar que um diabético devia seguir. Hoje, de acordo com todos os médicos, estudos e livros da especialidade, o diabético pode comer de tudo, desde que com moderação. E que tenha noção que as opções que toma em determinado momento têm de ser compensadas nas refeições seguintes. A minha mãe, diabética, e que me tem ajudado muitíssimo neste processo, diz uma coisa com piada: "Eu posso comer. Mas não devo". É isto.
3 - "Olha, estou a combinar um jantar com amigos cá em casa. Queres vir? Queres que te faça uma canja sem sal?"
Uma canja sem sal? Mas estou no hospital e ninguém me disse nada? Se fizeres canja para todos, podes fazer que eu gosto muito.
4 - "Tens de te picar todos os dias? Que seca!"
Há quem se pique todos os dias e goste. Diz que dá uma grande pedra. Mas não, nunca foi a minha cena. Sim, um diabético tem de se "picar" todos os dias. É a menor das complicações. A medição de glicemia deve ser diária (duas a três vezes ao dia). Sobretudo no início, é preciso perceber que tipo de impacto têm alterações e comportamentos na quantidade de açúcar no sangue. Por exemplo: antes e depois de exercício físico. A autovigilância é fundamental. E não vale a pena enfiar a cabeça na areia.
5 - "E que tal irmos comer um gelado? Ai, desculpa, tu não podes"
E se fosses à merda? O diabético aqui sou eu, não és tu. Se te apetece um gelado, vamos lá comer o gelado. Eu posso não comer. Ou posso comer, se me apetecer. Mas essa decisão é minha, não tua. Este arrependimento, esta espécie de sentimento de culpa que os amigos sentem depois de dizerem coisas banais, não faz sentido. Um diabético é um tipo normal, que apenas tem de ter mais cuidado com a sua alimentação. O mundo não gira à sua volta. É verdade que namorados(as), parceiros(as), amigos(as) e familiares são importantes no apoio que devem dar ao diabético, mas não o tratem com pena. Ele não merece. Mas sobretudo, não precisa.
6 - "Ai, eu não teria essa coragem!"
Não terias? Mas achas que sou algum herói porque estou a tentar mudar a minha vida e os meus hábitos alimentares e estilo de vida? Aqui não é uma questão de coragem. Ou é ou não é. Ou mudas ou morres. De repente ou, muito pior, lentamente, degradando a tua qualidade de vida e a dos que amas.
7 - "Porra, só vais comer isso? Não vais aguentar!"
Eh pá, obrigadinho pela motivação. O registo não é esse, ok? O registo é: "boa, assim é que é. Estou aqui para te ajudar, para te motivar. Continua, já se nota a evolução. Vais sentir-te muito melhor".
8 - "Olha, dei aqui uma volta à cozinha e arrumei as minhas coisas num armário. Aquele armário fica só para as tuas coisas"
Nunca gostei nada da cena "férias conjugais": aquela história moderna de casais que tiram uma semana de férias um do outro. Para descansar um do outro. Respeito, mas não entendo. "Cozinhas conjugais" também é uma cena que não me assiste. Entendo o objetivo e acho-o fofinho: "eu só quero que não caias em tentação, por isso escondi as Oreo". Pois, mas eu tenho de aprender a conviver com as Oreo todos os dias. Tenho de olhar para elas e saber que não devo comer. Não é escondendo, proibindo. O que tem de mudar é a cabeça do diabético, não é a vida das outras pessoas.
9 - "Quero lá saber se isto é um excesso de comida.
Ao menos se morrer, vou de barriguinha cheia"
É um disparate dizer isto. Não é um disparate dizer isto a um diabético, é um disparate dizer isto. Ponto. A um diabético recente, que está a fazer um esforço para mudar os seus hábitos de vida, é ainda mais. A vida são as nossas escolhas. Sei que isto parece uma frase do Gustavo Santos, mas é mesmo verdade. Ter noção dos nossos excessos e saber corrigir não é um ato de coragem, é um ato de inteligência. Falo de barriguinha cheia (literalmente). Passei anos a cometer excessos alimentares.
10 - "Agora só falas de disso. Tornaste-te um fundamentalista, uma seca!"
É um risco, de facto. Tenho absoluta noção que nas últmas semanas falo muito disto com as pessoas que me estão mais próximas. É uma forma de me motivar, de promover resultados, de estimular incentivos. E já agora, sem querer ser um exemplo para ninguém (não sou, recuso essa ideia), alertar outras pessoas na mesma situação ou em pré-diabetes. Não quero tornar-me um radical, um fundamentalista. Há quatro anos deixei de fumar e quem convive comigo sabe que não tornei um fundamentalista da luta antitabágica. As pessas podem fumar no meu carro e em minha casa. Tenho lá cinzeiros à vista e tudo. E até tabaco, para os mais esquecidos. O que não quer dizer que não alerte de vez em quando amigos meus para o número de cigarros que estão a fumar. Com isto é a mesma coisa. Agora estou entusiasmadíssimo e isso nota-se na conversa. Não quero (e não vou) perder esse entusiasmo, mas espero que, em breve, se possa notar apenas na saúde, nas análises, na perda de peso e na roupa. Não quero ser um chato insuportável.
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