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Viver numa cidade como Lisboa tem as suas vantagens. Quanto a mim, tem todas as vantagens, porque adoro viver cá. Com todos os seus defeitos. Valorizo mais tudo o resto: a proximidade de tudo, a luz, o Tejo, os turistas, a oferta que temos à nossa disposição. Sim, há algum trânsito? Há. Sim, é difícil estacionar? Por vezes. Sim, há obras por todo o lado? É verdade, elas têm de ser feitas.
Para quem, como eu, só percorria a cidade de automóvel, ela ganhou um encanto especial nos últimos dois meses e meio. Acreditem, eu que "vivo" esta cidade há 25 anos, desde que vim para cá estudar e a conduzir pela capital, tenho descoberto novos recantos, novas ruas, novos prédios, novas pessoas. As pessoas (os seus sorrisos, as suas caretas, os seus ares apressados, os seus rostos cansados, os seus viveres infelizes, as suas alegrias...) é o que mais me interessa na vida. E desde que comecei a caminhar a pé, de mochila às costas, ganhei uma visão diferente da minha cidade.
Como ontem vos disse, esta primeira semana de trabalho está a ser difícil, complicando a conciliação com o exercício físico, tão fundamental para a minha batalha contra a diabetes e pela perda de peso. Ainda não fui ao ginásio, não tenho conseguido caminhar de manhã (tenho saudades de o fazer junto ao rio...) nem ao fim da tarde. Mas, pelo menos, estes meus novos hábitos alteraram estruturalmente algo em mim. Hoje, tive três reuniões entre a hora do almoço e as 18h00. A primeira no Saldanha, a segunda na Estefânia, junto à Almirante Reis, e a terceira na Avenida da Liberdade. Em vez de fazer o que faria habitualmente, que era pegar no carro, estacionado em frente ao meu escritório na Avenida António Augusto de Aguiar, coloquei a mochila às costas, os fones na cabeça e lá fui a pé. Fui parando, fui olhando, entrei nas livrarias, comprei dois livros (hei-de vos falar deles aqui...), desci, subi e quando regressei ao escritório, só para fazer o balanço do dia com a minha equipa, tinha andado 5,6 quilómetros.
Não é o mesmo que a caminhada de manhã, dir-me-ão. É verdade. Não fui de calções, nem de T Shirt, nem de ténis. Fui com a minha roupa de trabalho, mas este hábito de andar a pé tornou-se algo de que já não prescindo. É um hábito bom. E saudável. Que continua a dar os seus frutos. E que, acreditem em mim, é irreversível.
Ui, tenho tanto para vos contar! Ontem, tive a minha primeira prova de fogo, 42 dias depois de me ter sido diagnosticada Diabetes Tipo 2. Foi o meu primeiro contacto com a equipa de médicos da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal que me vai seguir. Podia ter escolhido outra solução, mas desde a primeira hora, depois de algumas referências obtidas, decidi ser acompanhado pela equipa multidisciplinar da APDP. Para primeira amostra, e apesar de lá ter estado entre as 12h45 e as 17h45, fiquei satisfeito.
E porquê prova de fogo? Porque, apesar de todo o rigor que tenho tido, apesar da reeducação alimentar que estou a fazer, apesar do exercício físico que iniciei há um mês e tal, e apesar dos sinais (interiores e exteriores), agora o veredicto era a sério: faria exames, análises e seria visto por profissionais de saúde. Reforço aquilo que sempre disse aqui: não sou médico. Tudo o que aqui escrevo, e que tem resultado em mim, não deve ser tido como exemplo para todos. Cada caso é um caso e cada um deve procurar a ajuda médica necessária para melhorar a sua qualidadade de vida, como eu tenho feito, com resultados visíveis.
Desde que iniciei esta conjugação medicamentos+alimentação+exercício físico, perdi 12 quilos, aumentei massa muscular (que também pesa), baixei quatro números de calças (o que significa que o meu perímetro abdominal reduziu, o que é o melhor sinal de todos, porque a gordura localizada nesta zona é a mais perigosa de todas) e um número de camisas.
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Nota: A evolução das fotos que aqui publico não é de apenas um mês e meio. São fotos dos últimos dois anos. Acho que se nota bem a diferença...
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Voltando ao dia de ontem, de manhã fui ao ginásio para uma aula com PT. Ao chegar ao Virgin Active, lembrei-me que um dos exames que faria à tarde seria um eletrocardiograma. Seria compatível com a prática de exercício físico de manhã? Como não sabia, liguei ao meu médico de família. Que sim, que era compatível, que até era melhor, porque quando fizesse o exame à tarde, veriam um coração que tinha feito esforço de manhã.
Mandaram-me estar na APDP às 12h45 já almoçado. E eu, que sou um menino cumpridor, lá estava. Esperei uns minutos, fui à triagem para pesagem e medições. Meia hora depois estava a recolher as minhas colheitas de sangue e urina para análise. No imediato, a técnica disse-me que estava com 158 mg de glicose por decilitro de sangue. "É um valor muito simpático, uma vez que estamos após o almoço", disse-me. Simpático?, pensei. De facto, dez minutos antes de entrar no laboratório, enquanto esperava, ouvi a mesma profissional a dizer a uma senhora de cerca de 60 anos: "'Sôdona' Etelvina, estamos com os valores um bocadinho elevados. Vai ficar aqui a descansar com insulina. Neste momento tem 358 de açúcar". A 'sôdona' Etelvina passou para a sala ao lado e eu entrei. Apesar de me ter dito que eram um valor "simpático", os meus 158 mg/dl não me pareciam nada simpáticos. Muito acima do normal, que têm sido nas últimas semanas, duas horas depois do almoço (considerado o pico da glicose) de 125 ou 130. Fui à casa de banho e medi com o meu glicómetro: 124. Voltei ao laboratório e mostrei os valores à técnica. Nada como perceber as coisas como elas são: "Fez bem em fazer isso. O valor que acabou de obter foi de uma colheita capilar, com o teste de sangue no dedo. Eu fiz aproveitando o sangue que lhe retirei da veia. São valores mais fidedignos e há sempre uma ligeira variação. Não fique preopcupado. O seu valor é absolutamente normal". Agradeci, saí e fiquei mais descansado.
Seguiu-se o exame aos olhos, para despistar a Retinopatia Diabética, ou seja, complicações na visão decorrentes da presença exagerada de açúcar na corrente sanguínea (os resultados só se saberão mais tarde), e, logo a seguir, o electrocardiograma. Demorou dois minutos. No final, a técnica olhou para ele e disse: "o coração de um jovem". Lembrei-me dos meus quase 42 anos e sorri.
Depois dos exames, as consultas. Primeiro, claro, a espera. A sala de espera tinha agora bem mais gente. Na sua maioria gente mais velha do que eu, embora houvesse dois ou três jovens. Na sua maioria, gente com excesso de peso como eu, embora menos obesos do que eu. Ouvi muitas conversas durante aquelas horas que ali estive, mas disso ocupar-me-ei num outro post.
Ao fim de 40 minutos, lá fui chamado ao consultório. A minha diabetologista, Dra. Ana Filipa Lopes, apresentou-se, estendeu-me a mão e deu-me as boas vindas. Fez perguntas e eu respondi. Elogiou o trabalho feito nas últimas semanas e falou-me do valor da única análise que já estava disponível, o da Hemoglobina Glicada (HbA1c). É uma análise extremamente útil na avaliação da glicemia por períodos prolongados. A hemoglobina glicada serve para monitorizar o controlo da Diabetes de uma forma mais contínua, pois permite analisar a glicemia média de 90 dias. Um valor aceitável é de 7%, um valor ótimo é 6,5%.
O meu médico de família, António Calaim, já me tinha alertado para não me assustar. O meu "caminho" tem ainda só um mês e meio, portanto, o outro mês e meio anterior, de açúcares altos e descontrolados, fariam seguramente o valor da HbA1c subir muito acima do desejável. "Pode ser que tenhas 10 ou 11%, não nos vamos assustar", alertara-me o médico. O resultado foi o esperado, embora o valor mais baixo do expectado. "Tem 9,1% de hemoglobina glicada, que é um valor alto, mas acredito que mantendo o que tem estado a fazer, na próxima análise que fizer, já vamos ter resultados desejáveis".
Quanto à medicação, manteve-me tudo, mas mudou-me o antidiabético oral. Continua a ser metformina diária, mas receitou-me ainda Bydureon, "uma medicamento de ação prolongada, que se toma apenas se toma uma vez por semana e que combina o combate à diabetes mas, ao mesmo tempo, reforça a perda de peso, que é o que o Nuno continua a precisar", explicou-me a endocrinologista. "Tem uma contrariedade apenas: não foi possível desenvolver este medicamento por via oral, é injetável com uma caneta", explicou-me. Tremi um pouco, confesso. "No fundo, é como a insulina, mas isto não é insulina", acrescentou. Continuei apreensivo. Nunca gostei de agulhas e a perspetiva de fazer a administração numa prega da minha própria barriga (vulgo pneu) não me agrada. "Não há outra alternativa?", perguntei. Ela sorriu. "Haver, há. É continuar com a medicação que está a fazer, que está a ter efeito no controlo da diabetes, mas eu acho que vai ter um ganho substancial com esta solução que lhe proponho, porque vai ajudá-lo ainda mais a perder peso. Mas só faz se quiser. Se não quiser, mantemos tudo como está". Pensei cinco segundos em silêncio. E resolvi aceitar. Também há um mês e meio a ideia de me picar três vezes ao dia para controlar a glicemia me soava a estranho e afinal... não custa nada.
Também aqui, a médica mudou a prática: "Ah, e não quero que continue a picar-se três vezes ao dia. A sua glicemia já não o justifica. Basta que controle dia sim, dia não, ou depois de alguma refeição especial para perceber que impacto é que ela teve em si. Mas não faz sentido continuar a medir a sua gicemia com tanta frequência". E pronto, estava terminada a consulta.
De volta à sala de espera, agora à pinha. Mais 20 minutos, e eis que sou chamado pela Dra. Ana Raimundo Costa, que passou a ser a minha nutricionista. A consulta demorou mais de 40 minutos. Por minha culpa. Fartei-me de falar, expliquei-lhe as mudanças introduzidas na minha alimentação, enumerei as refeições, falei-lhe das equivalências, mostrei-lhe fotografias, falei-lhe do blogue. A empatia foi rápida e recíproca. "Não lhe vou passar nenhum plano alimentar, Nuno. Basta continuar a fazer o que está a fazer, está a ir muito bem. Parabéns!".
De repente, chegou o email com os resultados das análises. "Uau!", disse primeiro. Depois, imprimiu as folhas para me mostrar. À minha frente tinha as análises feitas a 19 de junho e, agora, estas de 2 de agosto. Olhei para umas e para outras. Deixem-me confessar: vieram-me as lágrimas aos olhos. Não sei bem porquê. Ou, melhor, sei. Sei perfeitamente. Porque verifiquei que o caminho que comecei está a dar resultados científicos. "Nuno, parabéns! Colesterol a níveis normais, reduziu para metade. Triglicéridos excelentes. São valores muito importantes porque têm a ver com o metabolismo lípido, aquilo que afeta o coração e que provoca as complicações cardíacas", explicou.
Há 40 e tal dias, o meu colesterol era de 270 mg/dl. Caiu para 135, 1 (o valor de referência é abaixo de 200). Os triglicéridos, que já estavam bem em junho, com 121 mg/dl, baixaram para 110, 2 (o valor de referência é abaixo dos 150). E o açúcar, que tinha sido 329 no dia em que tudo começou, estava ontem, depois de almoço, nos 158 mg/dl.
Despedi-me com dois beijinhos da nutricionista. Prometeu-me que vinha cá ler o blogue. E veio, percebi meia hora mais tarde.
O dia na APDP ainda não tinha terminado. Numa última consulta, foi-me explicado como usar a tal caneta do tal medicamento que vou passar a autoadministrar uma vez por semana. O ideal é que seja sempre no mesmo dia da semana e sensivelmente à mesma hora. Escolhi o domingo ao pequeno almoço. Assim, faço em casa, sem stresses. Acho que à primeira vai custar um bocadinho, mas que é tudo uma questão de hábito. Se me vai fazer bem, então vamos lá sem medos. Volto à Associação em setembro. E, espero, com novas razões para sair de lá a rir.
Há pouco mais de uma semana, quando decidi criar este blogue, expliquei-me. Disse ao que vinha. "Porque é que resolvi criar este blogue? Porque é que, na opinião, seguramente respeitável de muita gente, me decidi expor assim de uma forma tão crua? A resposta é simples. Para ajudar. Para me ajudar a mim, em primeiro lugar. (...) Se com estes textos conseguir ajudar outros que estão na mesma situação, melhor." Foi isto que escrevi no dia 6.
Entretanto, passaram oito dias. Na página de Facebook que criei (https://www.facebook.com/azinheira.tipo2/), já se juntaram a mim mais de 2000 pessoas. Muitos amigos, claro, mas também muita gente que não conheço de parte nenhuma. Pessoas que têm um contacto direto com a Diabetes: ou porque são diabéticos, ou porque vivem de perto com doentes, ou porque, não sendo ainda, estão naquela fase chamada de "pré-diabética". É a pior fase. Porque, em muitos casos, é a mais ignorante e a mais irresponsável. Eu sei porque também a vivi. Há cinco anos o meu médico de clínica geral alertou-me para os valores de açúcar no sangue, dizendo que configurava uma situação de pré-diabetes. Há dois anos, na medicina do trabalho, outro médico confirmou-me a mesma história. E eu, em ambos os casos, fiz o mesmo: acenei com a cabeça, fiz um ar compenetrado e grave, deixei escapar uma frase do tipo "sim, tenho mesmo de tratar de mim" e pronto. Saí do consultório e entrei na pastelaria mais próxima.
Convém não descurar esses avisos. Levem-nos a sério. Uma situação de pré-diabetes é absolutamente reversível, com um pouco de exercício físico e uma alimentação mais cuidada e moderada. Deixar o tempo andar, fingir que não é nada connosco, empurrar (literalmente) com a barriga para a frente não resolve nada. Só complica.
De entre as mensagens de estímulo que tenho recebido, recebo também algumas dúvidas e, sobretudo, desabafos. Importa reforçar o que tenho dito aqui frequentemente: não sou médico, sou apenas um diabético que tomei contacto recentemente com a doença e que quer viver melhor. Mudei hábitos alimentares enraizados, passei a praticar exercício físico e comecei a ler muito sobre a Diabetes. Mas nada do que eu possa dizer ou aqui escrever substitui o que um médico diga. Até porque cada caso é um caso, e o que se aplica a mim pode não se aplicar a outros. Das mensagens que recebo as que mais me preocupam são as de gente que se diz despreocupada com a questão. Ou que não valoriza muito os sinais. Eu sei o que isso é. Fiz exatamente o mesmo até ao dia 19 de junho.
Há coisas que é preciso saber. Há sinais a que é preciso estar atento:
- Se tem peso a mais
- Se tem casos de diabetes em familiares diretos
- Se sente muita sede e extrema necessidade de beber água de forma quase descontrolada
- Se urina mais do que o habitual, ou se acorda todos os dias a meio da noite para ir à casa de banho
- Se sente sempre sensação de fome
- Se perde peso repentinamente
- Se, sendo mulher, acumula infeções ginecológicas ou urinárias
- Se sente um cansaço crónico
- Se sente a visão turva ou desfocada
- Se as feridas demoram a cicatrizar
Então, não ignore estes sinais. Consulte o seu médico, faça análises e mude o seu estilo de vida. O "não querer saber" é a pior atitude. Irresponsável para nós próprios. Injusto para quem vive connosco. Insustentável para o Sistema Nacional de Saúde.
Aqui chegados, mentir-vos-ia se dissesse que, em nenhum momento, estremeci com a novidade. Houve ali uma hora inicial, deitado na marquesa daquele hospital, enquanto "metia para a veia", que o coração acelerou. Que me passaram imensas coisas pela cabeça. Sobretudo, sobre as imensas coisas que me tinham passado pela boca todos estes anos!!!
À minha volta, os mais próximos fizeram soar as campainhas de alarme. "Estes valores são altíssimos. Isto é grave!", ou "É preciso mudar urgentemente!". É. Foi. A Diabetes é uma doença grave sobretudo pelas complicações que, não dominada, pode acarretar. Controlado o nível do açúcar no sangue, por via de medicação, de um regime alimentar equilibrado, variado e baixo em hidratos de carbono, e de exercício físico, é uma doença crónica como tantas outras.
Passados os cinco minutos, só queria sair dali. Só queria esquecer o hospital e lembrar-me que não queria voltar ali. Diabetes, diabetes, diabetes. A palavra repetiu-se vezes sem conta na minha cabeça. Era preciso mudar o chip. Era preciso perceber que esta era (é) a oportunidade de fazer o que tem de ser feito: perder peso, adotar um estilo de vida mais saudável, cuidar de mim e dos que amo. É preciso fazer sacrifícios? É. Vai ser, estou consciente. Mas o resultado final vai ser muito melhor.
Passaram 15 dias e os valores começam a estar bem mais controlados. Perdi uma dezena de quilos, a glicemia está a descer, a hipertensão está de novo no registo normal. Nada está conseguido. Sei que vou tropeçar, sei que não deixarei de ter vida social, sei que haverá dias em que não posso comer só uma saladinha. Mas sei também que no dia seguinte tenho de compensar a ingestão de hidratos. É tudo uma questão de equivalências, como mais à frente explicarei. Mas, não estou iludido. Isto é um combate para a vida.
Para já, o essencial. Não desvalorizei a Diabetes. Mas também não a dramatizei. Mantenho-me consciente dos seus perigos. Mas incrivelmente determinado. E, sobretudo, não me sinto um "coitadinho". Acho que esse é o primeiro passo para mudarmos a nossa vida. Encararmos as coisas de frente. Sim, sou diabético, e então?
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