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Pontos prévios:
1) Consumi fast food durante muito tempo. De vez em quando, muito de vez em quando (terá acontecido duas vezes nos últimos quatro meses), voltei lá.
2) Não tenho nada contra a Burger King. Nem contra a Mc Donalds (embora confesse que goste mais de algumas coisas da primeira).
3) Defendo a liberdade criativa e rejeito qualquer censura na publicidade ou em qualquer outra forma de comunicação. Desde que ela não fira o bom senso, o bom gosto (conceito perigoso, eu sei) e desde que ela não contrarie a lei.
Agora o essencial.
A Burger King acaba de lançar o seu novo hamburger, com uma campanha em massa em tudo o que é mupis pela cidade, nas últimas duas semanas. Esta foto que ilustra este meu post foi tirada na zona de Santo Amaro, em Alcântara, perto do local onde resido. Junto a esta paragem de autocarros, num raio de aproximadamente 500 metros, existe uma conhecida escola secundária muito frequentada, uma escola preparatória (desculpem as designações antiquadas, mas eu agora já não percebo nada das novas denominações C+S e tal...), um centro de explicações e, pelo menos, um jardim de infância.
Portugal é um país em que, tal como acontece em quase todos os países ditos desenvolvidos, o crescimento da obesidade infantil é assustador. Segundo os dados oficiais, estima-se que existam 20% de crianças obesas em Portugal e 30% com peso excessivo. Isto representa a prazo uma epidemia brutal: quer no espoletar da Diabetes ou de doenças cardiovasculares, quer na redução da qualidade de vida das pessoas, quer (e convém não esquecer esta parte) nos custos que o Serviço Nacional de Saúde terá de comportar nos tratamentos. Por isso, tanto se fala de prevenção. A 5 de fevereiro deste ano, aplaudi o facto de o Parlamento ter aprovado um projeto lei da autoria do PS, PEV e PAN, com os votos favoráveis dos proponentes e ainda do Bloco de Esquerda e do PCP, e com as abstenções do PSD e do CDS.
No comunicado de um dos partidos proponentes lê-se que "a alimentação e aprendizagem alimentar das crianças em idade escolar e pré-escolar é determinante na saúde dos mesmos e na prevenção da obesidade". No mesmo documento, o partido alerta que "os consumos em excesso de fritos, de misturas de hidratos de carbono e gorduras, aperitivos excessivamente condimentados, exagero de sal, doces, açucares e proteínas 3 têm consequências graves: diabetes, cáries, problemas renais, obesidade e outros problemas de saúde".
A alteração legislativa pressupõe restrição da publicidade a alimentos e bebidas com elevado teor de açúcar, gordura e sal a menos de 500 metros das escolas e os anúncios televisivos a estes produtos antes e depois de programas infantis ou juvenis.
Não andei com um metro a medir em rigor se o mupi em causa está a 500 metros ou a 490, nem me parece que seja essa a discusão, até porque este meu post não tem qualquer intuito persecutório. É apenas uma forma (a minha) de alertar, enquanto cidadão, enquanto obeso, enquanto diabético, para esta questão.
O novo produto da Burger King, que tem ótimo aspeto e deve ser deliciosamente viciante, é uma bomba: tem dois hamburgers, duas fatias de queijo com alto teor de gordura, bacon frito, um ovo estrelado, molho e, parece-me, cebola frita. Ou seja, uma criança/jovem que coma um menu destes ao almoço ou jantar (hamburger + batata frita + refrigerante) está a consumir praticamente 1000 calorias, cerca de 40 gramas de gordura, 3 a 4 gramas de sal e entre 90 a 100 gramas de hidratos de carbono. É mais, muito mais, do que o valor de rereferência recomendado para uma refeição.
Este problema é muito mais grave do que aparenta e não se resume a esta ou àquela cadeia de fast food. Este problema deve ser encarado pelas autoridades portuguesas: comunidade clínica e políticos. E tem uma abrangência muito mais vasta, que vai das dietas servidas nas cantinas das escolas (hoje mais controladas e bastante mais diversificadas, há que reconhecer), às máquinas de vending que estão espalhadas por todo o lado (instituições públicas e de saúde, inclusivé), às quantidades de açúcar permitidas nos refrigerantes e alimentos de pequeno almoço para crianças, passando pela quantidade industrial de doses que, culturalmente, nos habituámos a consumir nos restaurantes portugueses.
Não se trata de legislar por legislar. Não se trata de proibir por proibir. Escusam os paladinos da liberdade vir em defesa da dita. Eu também estou nesse lote. Trata-se de uma questão de saúde pública. Trata-se de educar e legislar. Trata-se de legislar para educar. Trata-se de educar para prevenir.
Passados estes anos todos sobre a entrada em vigor da Lei do Tabaco, os resultados são visíveis por todos os que não sejam fundamentalistas: há dez ou 15 anos, numa turma de alunos universitários, 70% fumava. Hoje, e falo pela experiência própria feita da relação diária com vários grupos de alunos, apenas dois ou três em cada dez tem o hábito de fumar. Esse trabalho começou com prevenção e com legislação, muito criticada por fumadores. Os resultados (não sendo científicos, são os que verifico na minha realidade diária) são absolutamente claros.
Pela Educação é que vamos!
O tempo ajuda a curar quase tudo. Esquece, atenua, suaviza, resolve. Mesmo os traumas. Embora alguns, e para alguns, a coisa possa ser mais difícil. "Baleia fora de água". Têm noção do impacto que uma expressão destas dita repetidamente pode ter numa criança obesa de oito ou nove anos? Ou mesmo num adolescente de 12 ou 13? Eu ouvia-a dezenas, centenas de vezes. Eu e todos aqueles que tinham peso a mais. "Gordo", "Badocha" ou mesmo "Piranha" (numa homenagem a esse clássico da TV dos anos 80 chamado "Verão Azul") eram algo ainda aceitável, mas "baleia fora de água" deixava-me fora de mim. Era uma crueldade própria de crianças, eu sei, mas magoava. Ficava a repetir-se cá dentro, como uma matraca. Uma vez, explodi. Um parvalhão na escola chamou-me "Baleia fora de água" e eu, com um ar de superiodade intelectual e simulando indiferença perante o mimo, respondi-lhe: "Pois é, sou baleia fora de água, mas isto com uma dieta, passa. Agora, tu és um estúpido. E serás sempre um estúpido. Não há nada que possa melhorar isso". E virei-lhe as costas. Ainda pensei que o gajo viesse atrás de mim: ou para insistir na conversa ou para me dar um murro, mas não. Ficou quedo e mudo. Provavelmente, a pensar no que lhe disse. Para mim, aquele foi um momento de viragem. Fiquei orgulhoso da minha resposta e decidi interiormente que não voltaria a deixar-me afetar por aquilo que de malicioso os outros dissessem sobre a minha aparência física.
Se o tempo ajuda a curar quase tudo, a idade também ajuda a colocar quase tudo em perspectiva. E à medida que fui crescendo, aprendi a valorizar umas coisas em detrimento de outras, e a fazer das minhas fraquezas, forças. Percebi que a única forma de calar os outros é dando o melhor de nós. Foi assim que cresci profissionalmente. Procurando sempre fazer melhor. Tentando melhorar a cada erro cometido. É assim hoje ainda. Procurando refletir sobre o que faço (na profissão, na vida...), percebendo como posso melhorar.
Quando me perguntam por que razão só agora me passei a preocupar com a minha saúde, a minha resposta não é clara. Não sei. Eu já me preocupava antes, de vez em quando, mas intervalava a reflexão entre rissóis e folhados de Chaves. Com demasiada frequência, admita-se. O diagnóstico oficial da Diabetes, a 19 de junho, foi o click, claro, mas dois meses antes já me havia inscrito no ginásio e tinha jurado a mim próprio que desta vez era a sério. E, sim, eu já sabia que era diabético. Os sintomas que eu tinha não me deixavam grandes dúvidas. Acho que há um momento para tudo. A idade ajuda-nos a perceber isso com mais clareza.
É bom, porém, não esquecer o que deixámos lá atrás. Por mais resolvido que eu, gordo, tenha crescido, é sempre bom não esquecer algumas coisas. Por mais que eu sempre me tenha despido na praia sem problemas de mostrar as banhocas e as mamas, há sempre uma "baleia fora de água" que vem à tona. Há sempre gente que olha de espanto quando se cruza à beira-mar connosco. Há sempre uns tipos que apontam o dedo e que dizem uma piada, seguida de gargalhada geral. E é por isso que resolvi escrever este post.
E é por isso que escolhi o título que escolhi. Há cinco coisas que nunca se devem perguntar/dizer a um gordo (a não ser em ambiente clínico ou familiar, claro...):
- Quanto é que pesas?
- Não faças uma dieta, não...
- Estás outra vez mais gordo!
- Não tens espelhos lá em casa?
- Ouve lá, onde é que arranjas roupa desse tamanho?
As cinco perguntas revelam uma grande falta de sensibilidade. Um gordo sabe que é gordo. Um gordo tem espelhos em casa. Um gordo sabe que tem de perder peso. Um gordo sofre à procura de roupa para o seu tamanho e fica constrangido quando, numa loja, é obrigado a responder com um "pois, mas não chega" à frase da empregada "este tamanho dá de certeza para si, é o maior que temos cá". Perante este momento, o gordo pensa: "porra, sou mesmo um bisonte! Nem mesmo o maior que eles têm cá dá para mim. Talvez vá ao Tecidos Vidal comprar pano para um toldo e faça uma túnica!"
Ao contrário do que muitos pensam e disseram na altura em que o programa chegou a Portugal, formatos como o "The Biggest Loser" ("O Peso Pesado", SIC), entre outros, foram muito importantes para as cabeças portuguesas. Para as cabeças dos gordos, em primeiro lugar. É sempre bom sabermos que não estamos sozinhos no mundo e que há casos ainda mais graves dos que os nossos. Isto não resolve nada em nós, mas, acreditem, alivia. Um gordo que pesa 145 quilos olha com respeito para alguém que se expõe na televisão, que se pesa numa balança, e que vê aquilo marcar 173 quilos. Há uma identificação, uma espécie de projeção, quase uma irmandade. Em segundo lugar, e mais importante, creio que programas como "O Peso Pesado" vieram alertar os portugueses para a normalidade da obesidade mórbida. Normalidade no sentido de "há gente assim, que tem de lutar, que tem de sofrer". Normalidade no sentido de "esta gente que está a conseguir isto merece o nosso respeito, o nosso aplauso, porque revela força de vontade, porque não tem receio nem vergonha de se expor".
Os "The Biggest Loser" da vida chegaram por razões pouco samaritanas: é hipocrisia pensar que chegaram para ajudar o mundo. Não, chegaram porque toda a gente gosta de espiolhar pelo buraco da fechadura e ver "gente assim" (são obesos mórbidos, podiam ser anões, homens de quatro pernas ou mulheres de bigode). E isso gera audiências, numa indústria que movimenta milhões de euros como a televisão. Mas, apesar de tudo, ainda bem que chegaram, porque ajudaram os portugueses (e falo nos portugueses porque nos Estados Unidos a obesidade, por tão frequente e intensa, não é tabu) a olhar para esta realidade, a saber respeitar os gordos e a perceber que a obesidade é uma patologia, a acordar para a alimentação saudável, a despertar para o gravíssimo problema que, enquanto sociedade, temos em mãos chamado obesidade infantil.
Estou a escrever este post hoje, 22 de outubro de 2016, porque hoje é um dia histórico nesta minha caminhada. Tão histórico como o 19 de junho. Pela primeira vez, em cima da balança, baixei de uma fasquia mítica que havia ultrapassado aos 24 anos. Ou seja, aos 24 anos eu atingi um peso e, nos últimos 18 anos, nunca consegui baixar desse peso. Foi sempre a subir. Como já vos disse que não se pergunta o peso a um gordo, já sei que não vão fazer a pergunta, mas antes que se ponham a adivinhar, esclareço já: não, ainda não é a barreira psicológica dos dois dígitos. Seria bom que assim fosse, mas ainda falta muito. Mas os 26 quilos que perdi desde abril fizeram-me baixar de uma fasquia mítica que ultrapassara aos 18 anos. Este é o meu "The Bigest Loser". Por enquanto, uma parte dele é só minha, longe dos holofotes. Haverá um momento em que partilharei convosco os valores. Por enquanto, ainda há constrangimentos que não consigo superar. Mas é fácil fazer contas, perceber o meu entusiasmo e o meu orgulho. E esse faço questão de o partilhar aqui.
Haverá gente que, cansada destes posts e das suas réplicas nas minhas redes sociais, dirão: "outra vez? mas este gajo agora só fala disto?". Falo daquilo que quero, daquilo que é a minha batalha mais importante. Falo porque preciso. Por mim. Falo porque é preciso. Pelos outros. Quem gosta de mim, quem me admira, quem é meu amigo, quem tem orgulho em mim perceberá o quão importante isto é. Isto e tudo o resto: a minha profissão, a minha empresa, os meus alunos, os meus textos, as minhas ideias, os meus amores. O Nuno, o Tipo 2, é uma soma disso tudo. Com virtudes e defeitos. E com uma imensa vontade de viver e ser feliz.
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